LER POR LER

 LER POR LER

É raro eu ler um livro sem um lápis na mão, ansioso para sublinhar, fazer anotações e pensar em maneiras de transformar essa leitura em algum benefício prático: "Eu posso usar isso depois?" "Há algo aqui que seria uma boa fonte de material para um artigo?" "Preciso guardar isso..." 
Em suma, a maior parte da minha leitura, e de muitos homens (quando leem, diga-se de passagem) é feita pensando na utilidade. Certamente não sou o único. É uma tendência que vejo cada vez mais e com a qual estou cada vez mais desencantado: a ideia de que ler só serve para seu uso aplicável, e essa leitura é o que tem feito o nosso país, um território de analfabetos funcionais (falarei ainda sobre isso). De qualquer maneira, tenho me esforçado, após meu mestrado, a ler por ler. 
Hoje, estou defendendo a hipótese de retomar a ideia da leitura por puro prazer, devaneio... A internet de autoajuda instrumentalizou quase tudo que torna a vida agradável. Cada atividade deve ser realizada com algum propósito específico em mente. Você deve otimizar o seu tempo livre para que não seja apenas revigorante, mas também torne você uma pessoa mais produtiva. Veja se não é verdade: primeiro, deve-se dormir bastante para ser mais eficaz no trabalho; depois busque um hobby para estar mais recarregado - para o trabalho; por fim, dê um passeio, é bom para se inspirar mais no trabalho.
Essa tendência também se infiltrou profundamente no reino da leitura. Ler livros sobre negócios, livros sobre liderança, livros sobre autodesenvolvimento para nos tornarmos o melhor empresário, chefe ou empregado que podemos ser. Um cidadão mais completo. Um marido e pai melhor. Prova disso são os especialistas das redes sociais, que tentam a todo custo infiltrar isso na cabeças dos seus seguidores.
Entretanto, há um argumento de ler só para ler. Para gastar tempo com livros sem outro motivo, apenas diversão, prazer, sentir. Assim como quando você vai a um museu de arte. Você vagueia, olhando para as peças de arte, extasiado e incapaz de desviar o olhar. Ou seja, em estágio de encantamento, por aquilo que traz luz à alma e à psique. Ler ficção por seus benefícios concretos; pesquisas mostram que os romances tornam você mais empático e criativo! 
Ler é conhecer novos mundos; e mais, o prazer da leitura é a leitura por prazer. Quero dizer que o mesmo prazer em uma brincadeira, um jogo ou uma partida de futebol, uma noite de romance ou de uma conversa fiada com os amigos, esse mesmo prazer assemelha-se ao da leitura. Essa leitura por prazer é a capaz de transformar o ser humano, pois cria novas perspectivas e facilita a imaginação, a criatividade, aguçando o poder do Ser, que forma um bom cidadão. 
Essa leitura não é coisa de mulher ou de criança, é coisa de mulher, de criança e de homem, para todos. A leitura está na vida do ser humano desde seus primeiros passos. Ainda crianças, nossos pais leem histórias para nos acalmar, ou simplesmente para nos fazer dormir. Vamos crescendo e as histórias contadas para nós vão formando nosso imaginário. A formação do imaginário é a formação do homem!
Então, quer se formar como homem? Retome as leituras despretensiosas, permita-se criar, vagar, criar, devanear. 
 Terminei agora a pouco de ler uma obra que devo ter lido ainda quando criança, a qual me fez reaprender e revisar meu imaginário quanto ao preconceito e meu lugar no mundo "A terra dos meninos pelados", de Graciliano Ramos. Uma leitura simples, despretensiosa, e rica, ora deitado no meu quintal, ora na cama com uma xícara de café ao lado... "simplesmente" lendo. 
 Abrace a leitura pela leitura.

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